Chegou a vez de falarmos sobre as origens do judaísmo mosaico, especificamente sobre uma de suas figuras mais importantes: Moisés, o legislador.

O que é o judaísmo

O Judaísmo (יהדות) é um conceito que envolve a cultura, civilização e a religião do povo da Tribo de Judá (os judeus).

Um judeu é um descendente de Abraão e filho de mãe judia. Os homens são circuncidados no oitavo dia de vida. Aos doze anos, o judeu tem uma cerimônia de entrada na vida adulta, assumindo o compromisso de seguir a fé judaica, o bar mitzvah. No caso das meninas, existe o bat mitzvah.

O que prega a religião dos judeus?

Os judeus acreditam em um só Deus e que ele escolheu Abraão e seu povo para cumprirem seus 613 mandamentos, os mitzvot. Para os demais, os não-judeus, basta seguir as 7 leis de Noé e está tudo certo!

Acima de tudo, a origem do judaísmo é enraizada na Lei de Moisés, a Torá. Além disso, os judeus também acreditam na vinda de um messias salvador, o Mashiach, um líder judeu que dará início a uma era de paz e consciência mundial.

Segundo a crença, o Messias irá reconstruir o Templo Sagrado em Jerusalém e trazer uma era de paz e prosperidade que nunca acabará. Por causa disso, pessoas judias não consideram Jesus, que também é judeu, como um salvador.

O mais completo guia sobre judaísmo

Quem são os judeus hoje?

O judaísmo é uma das religiões mais antigas do mundo e se baseia na crença em um único Deus. Ao longo da história, os judeus enfrentaram diversas perseguições, o que resultou na formação de diferentes comunidades ao redor do mundo. Conheça alguns desses grupos e suas histórias:

  • Ashkenazim: são descendentes de judeus que migraram do Reino de Israel para o norte da França e Alemanha por volta de 800-1000 e, mais tarde, para a Europa Oriental. Costumam usar o iídiche como linguagem.
  • Sepharadim: são os judeus oriundos da Península Ibérica e norte da África, principalmente Portugal, Espanha, Marrocos, Mauritânia, Líbia, Tunísia e Argélia. Costumam usar o ladino ou hebraico moderno como idioma.
  • Italkim: judeus italianos descendentes de judeus deportados da Judéia em 70 AC. Costumam usar o hebraico italiano como linguagem.
  • Romaniotes: conhecidos pela culturalização judaico-grega e falam Yevanic.
  • Juhurim: descendentes de persas, conhecidos como os Judeus das Montanhas. Usam a linguagem Judeo-Tat para se comunicar.
  • Gruzim: judeus da Geórgia, são uma das comunidades judaicas mais antigas sobreviventes, remontando ao cativeiro da Babilônia no século 6 AC. Falam Kivruli.
  • Krymchaks: descendentes de judeus israelitas que adotaram a língua e a cultura turca.
  • Subbotniks: são os judeus do Azerbaijão e Armênia, descentes de russos.
  • Parsim: judeus da região da Pérsia (Irã/Iraque).
  • Temanim: também conhecidos como iemenitas, são considerados os mais judeus de todos os judeus. Foram os que melhor preservaram a língua hebraica.
  • Falashim: comunidade judaica que se desenvolveu e viveu por séculos na área do Reino de Aksum e do Império Etíope, atualmente dividida entre as regiões Amhara e Tigray, na Etiópia.
  • Bilad el-Sudan: judeus africanos cuja ancestralidade deriva das comunidades que existiram nos Impérios de Gana, Mali e Songhay.
  • Lemba: descendentes das tribos israelitas que migraram para o sul da África pelo sul da Arábia.
  • Judeus Sulafricanos: é a maior comunidade de judeus da África. São descendentes de afrikaners ashkenazim.
  • Bene: tradicionalmente são os judeus de origem indiana.
  • Bukharan: grande grupo de judeus da Ásia Central.
  • Kaifeng: antiga comunidade judaica chinesa, descendente de mercadores que viviam na China, pelo menos desde a época da dinastia Tang.
  • Bnei Anusim: descendentes de judeus sepharafim convertidos ao catolicismo à força pela Inquisição Espanhola. A maior concentração destes judeus se encontram no nordeste brasileiro.
  • B’nai Moshe: são judeus com traços indígenas encontrados principalmente na região do Peru.
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Cada grupo tem um aspecto particular quanto sua cultura, linguagem e religião. Além disso, os judeus ainda se dividem em diferentes movimentos religiosos:

  • Judaísmo Ortodoxo (Haredi): a lei judaica tem origem divina, é eterna e inalterável, e deve ser estritament seguida;
  • Judaísmo Conservador: interpretação mais tradicionalista e menos obrigacionista;
  • Judaísmo Reformista: é o judaísmo adaptado para as circunstâncias atuais, mais leve, mais focado em diretrizes e menos imposições.

Quais os livros sagrados dos judeus

A origem do judaísmo está no verbo divino e isso é condensado pelos estudiosos por meio de muitas obras escritas, práticas, comentários rabínicos e conceitos metafísicos.

Os principais livros do judaísmo são:

  • Tanakh: a Bíblia Hebraica;
  • Torá: é o livro sagrado do judaísmo, o coração do judaísmo, equivalente ao pentateuco, os 5 primeiros livros da Bíblia e atribuídos a Moisés;
  • Midrashim: são contos-guia para o estudo da Torá;
  • Mishnayot: são coleções de mishnás, transcrições da tradição religiosa oral judaica;
  • Talmud: é um compilado das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história do judaísmo;
  • Kitsur Shulchan Aruch: É um resumo de todo o código da lei judaica contida nos livros do Talmud.
  • Sêfer Yetzirá: é o Livro da Criação, obra cabalística que trata sobre a origem do universo (macrocosmo) e da humanidade (microcosmo);
  • Zohar: é o Livro do Esplendor, a parte não revelada da Torá Oral.

Qual a origem “oficial” do judaísmo

Segundo o mito mais aceito, de acordo com o Tanakh, Abraão é saudado como o primeiro dos hebreus e o pai do povo judeu.

O nome Abraão vem de ‘ivri’ (hebreu), provavelmente porque ele veio do outro lado do rio Eufrates, já que ‘ivri’ significa ‘do outro lado’. O termo provavelmente tem origem na raiz hebraica ‘avar (עָבַר), que significa “atravessar” ou “passar”.

Como recompensa por seu ato de fé em Yaweh, foi prometido que Isaac, seu segundo filho, herdaria a Terra de Israel (então chamada Canaã).

Mais tarde, os descendentes de Jacó (filho de Isaac) foram escravizados no Egito.

Após séculos de escravidão, Deus ordenou a Moisés que liderasse a libertação da escravidão do Egito, movimento conhecido por Êxodo.

Já deu para perceber que Moisés é o grande libertador e toda a base do judaísmo está contida nele. Inclusive foi Moisés quem recebeu a Torá do Eterno.

Mas será que foi só isso mesmo? Qual segredo está oculto por trás do nome Moisés?

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Qual a origem “oficial” de Moisés

Moisés foi um dos profetas mais importantes do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Foi um líder religioso, legislador e profeta, a quem a autoria da Torá é tradicionalmente atribuída.

O nome Moisés é tradicionalmente traduzido como “tirado das águas”, embora de acordo com linguistas ele tenha origem egípcia.

A Torá o denomina o mais humilde do que todos os homens que havia sobre a face da terra e foi ele quem libertou o povo de Israel da escravidão no Antigo Egito guiando-os pelo deserto por quarenta anos.

O cara abriu o Mar Vermelho para que todos conseguissem passar e recebeu os 10 mandamentos do altíssimo no alto do Sinai.

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Essa é a “historiografia” sobre Moisés, mas, volto a repetir, será que foi só isso mesmo? Vamos às controvérsias:

Qual a origem mais provável de Moisés

Pesquisas recentes em arqueologia bíblica, como as de Thomas Römer, Israel Finkelstein e Shlomo Sand, sugerem que os hebreus não eram um único povo com uma origem genética comum.

Em vez disso, eram uma união de tribos com origens diferentes, que se juntaram em determinado momento da história por razões de proximidade geográfica e necessidade de fortalecimento.

Essa união de tribos criou um culto e mitos fundadores compartilhados. No começo, essas histórias eram transmitidas oralmente, mas com o tempo foram sendo alteradas por influências regionais. Foi só no final do Exílio Babilônico, em 538 AC, que essas narrativas ganharam sua forma atual e começaram a ser escritas, reunindo diferentes relatos para formar uma história única e coerente.

A criação de uma narrativa comum, com heróis e patriarcas compartilhados, tinha como objetivo construir uma ‘memória nacional’. Essa memória ajudava os membros das tribos a se reconhecerem como parte de um único povo, com os mesmos ancestrais, valores e laços de parentesco.

Moisés é visto hoje como um desses ancestrais, que traria a unidade fortalecendo o sentimento de união e fraternidade.

Não é fácil precisar quando isso aconteceu e se aconteceu. Mas o mais provável é que Moisés tenha liderado seu povo para fora do Egito no reinado de Ramsés II, entre 1290 e 1224 AC e o nome Moisés, segundo linguistas, quer dizer “filho de“.

Ou seja, Moisés não é um nome completo, é como o Ben judaico (Ben Stiller – filho de Stiller), o Mc escocês (McDonald – filho de Donald), o Son nórdico (Anderson – filho de Ander). São só alguns exemplos para ficar mais simples de entender, creio que você já sacou, certo?

Assim como Ramsés é filho de Rá, falta a primeira parte do nome de Moisés em seu nome (???msés).

Especula-se que algum escriba judeu tenha retirado a primeira parte de seu nome das escrituras de propósito para não fazer menção ao deus egípcio que Moisés era devoto ou representava antes do Êxodo.

O Nascimento de Moisés

Segundo a Torá, o Faraó mandou atirar todas as crianças do sexo masculino ao Rio Nilo.

Mas a mãe de Moisés colocou-o numa cesta impermeabilizada por piche. Com isso, o bebê foi encontrado pela filha do Faraó e criado pela família mais importante do reino.

Infelizmente essa história não é nem um pouco original, ela é uma cópia discarada da lenda do nascimento de Sargão da Acádia, o rei da Babilônia e Suméria centenas de anos antes de Moisés.

Compare o texto neoassírio do século VII AC que alega ser uma autobiografia de Sargão com a versão bíblica do nascimento de Moisés:

Nascimento de Sargão: “Minha mãe, alta sacerdotisa, me concebeu, em segredo me pariu. Colocou-me numa cesta de juncos, e selou-o com betume. Ela me atirou ao rio, que não me cobriu.”

Nascimento de Moisés: “Uma mulher Levita concebeu e teve um filho… ela o escondeu por três meses até conseguir uma cesta de vime, tornou-a impermeável com barro e piche, colocou-o na cesta. E a colocou nos juncos da Margem do Nilo.”

Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Por que desenvolver um Moisés alegórico?

Qual o motivo do povo judeu ter ocultado a origem do nome do profeta e ter “desenvolvido” um Moisés assim?

Responder essa pergunta não é nada simples, mas a lógica por trás disso talvez seja: legitimizar um novo reino com um mito de criação já popular e que retrate a origem do judaísmo como algo ainda mais antigo e com caráter divino.

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O mito com a temática de criação que emerge das águas foi bastante utilizado para unificar povos.

Era assim que reis criavam reinados e legitimizavam sua governança por meio do poder divino concedido a um mortal, ritualística conhecida como a Coroação de Reis.

O estudioso em religiões comparadas e mitologia Joseph Campbell comparou o mito de nascimento de Moisés com os nascimentos ocultos de outras figuras heroicas da história e da mitologia, como Buda, Édipo, Páris, Télefo, Semíramis, Perseu, Rômulo, Gilgamesh, Ciro e Jesus, só para citar alguns exemplos.

Com isso em mente, é importante compreender que o judaísmo mosaico não surgiu de forma imediata. Inicialmente, como já dito, Israel era uma confederação de tribos (unificadas) que praticavam uma forma de henoteísmo, adorando Yahweh como o principal entre outros deuses. Com o tempo, sob influências culturais e crises históricas, como o Exílio Babilônico, Yahweh foi gradualmente transformado no único Deus, com a Lei Mosaica (a Torá) consolidando a base teológica do judaísmo.

Conclusão

O mito de Moisés é um dos pilares fundamentais para a origem do judaísmo como o conhecemos hoje. Pense nisso: foi Moisés quem libertou o povo da escravidão e marcou a história ao idealizar um reino para os judeus, transformando para sempre a identidade do judaísmo.

Esse papel é típico dos grandes líderes fundadores. Eles usam um mito ou uma alegoria, seja baseada no passado ou criada em torno de si mesmos, para unir as pessoas em torno de um objetivo comum, como a formação de um reino – seja ele simbólico ou real.

Por isso o judaísmo é mais do que uma religião; é uma combinação de história, mitos, cultura e identidade. Com o tempo, foi moldado por influências regionais, mudanças culturais e momentos de crise. Esse processo criou um sistema de crenças em um Deus único e uma história compartilhada.

Entender esse processo de transformação nos ajuda a ver como o judaísmo é complexo e como as tradições religiosas surgem para unir as pessoas, adaptando-se ao longo do tempo.

Referências bibliográficas

  • Finkelstein, Israel; Silberman, Neil Asher. The Bible Unearthed: Archaeology’s New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts.
  • Römer, Thomas. The Invention of God.
  • Sand, Shlomo. The Invention of the Jewish People.
  • Friedman, Richard Elliott. Who Wrote the Bible?
  • Knight, Christopher; Lomas, Robert. The Hiram Key: Pharaohs, Freemasonry, and the Discovery of the Secret Scrolls of Jesus.
  • Smith, Mark S. The Origins of Biblical Monotheism: Israel’s Polytheistic Background and the Ugaritic Texts.
  • Armstrong, Karen. A History of God: The 4,000-Year Quest of Judaism, Christianity and Islam.
  • Schiffman, Lawrence H. From Text to Tradition: A History of Second Temple and Rabbinic Judaism.
  • Goldberg, David J.; Rayner, John D. The Jewish People: Their History and Their Religion.
  • UNESCO. “The Babylonian Exile and Its Impact on Jewish Culture and Identity.”
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