Iniciação é o caminho pelo qual um indivíduo se eleva a níveis superiores de compreensão e existência, alcançando um estado de união com o princípio universal.

O principal aspecto da iniciação é a morte simbólica seguida de um renascimento, marcando a transição para um novo papel: o de iniciado. No contexto das doutrinas iniciáticas, considera-se iniciado aquele que passou por um rito de entrada, foi aceito na comunidade e reconhecido como parte do grupo por seus irmãos já iniciados.

O Mundo Profano e o Mundo Iniciático

Mircea Eliade, historiador e professor da Universidade de Chicago, foi um dos teóricos mais importantes sobre os paradigmas do mundo iniciático.

A sua teoria do Retorno Eterno sustenta que mitos e rituais não simplesmente comemoram hierofanias, mas que seus iniciados realmente participam delas por meio do simbolismo utilizado.

Sendo assim, Eliade definiu a iniciação como uma mudança básica na condição existencial que liberta o homem do tempo e da história profana.

Seus estudos classificaram a experiência humana da realidade e as dividiu em dois processos distintos: o espaço e tempo profano e o espaço e tempo sagrado.

O mundo profano

Profano significa “fora do templo”, no contexto da Roma Antiga, a palavra era usada para designar tudo o que estava fora dos limites do espaço sagrado. Assim, algo “profano” não era necessariamente algo negativo, mas simplesmente aquilo que não estava consagrado ou dedicado aos deuses.

No contexto iniciático, o mundo profano é o que vivemos no dia a dia, o mundo comum, mundano, preso totalmente ao aspecto material das coisas e dos pensamentos menos elevados.

É o universo das superstições, de fazer as coisas sem refletir, da escravidão das horas, do entretenimento, da repetição, da prisão material.

O mundo profano representa a subserviência cega e a ausência de verdadeira liberdade. Na ópera A Flauta Mágica, de Mozart, o personagem Papageno simboliza esse estado: o homem natural e comum, sem grandes aspirações e plenamente satisfeito com sua condição mortal.

Os seres com o pensamento direcionado para o mundo profano não são livres e não são aceitos.

O mundo iniciático

De acordo com Joseph Campbell, pesquisador renomado na área de simbologia e religiões comparadas, a iniciação é a segunda etapa da jornada do herói, situada entre a partida e o retorno. Durante essa fase, o herói enfrenta desafios, provas e rituais que transformam sua percepção de si mesmo e do mundo. Essa experiência é irreversível: o herói nunca mais será o mesmo, pois atravessa para um mundo até então desconhecido.

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O mundo iniciático exige participação ativa e iniciativa do iniciado, como o próprio nome sugere. Ele depende da transmissão de uma ‘influência espiritual’, que conecta o indivíduo a estados superiores do ser. Segundo o intelectual francês René Guénon, essa conexão é condicionada por diversos fatores:

  • 1. Caráter Metafísico e Espiritual: a iniciação tem como objetivo transcender o mundo material e conectar o indivíduo à realidade metafísica, algo que está além dos sentidos e do raciocínio comum.
  • 2. O Papel de uma Ordem Iniciática: a iniciação só pode ocorrer dentro de uma tradição legítima, que preserva um conjunto de ensinamentos e práticas espirituais transmitidos de mestre para discípulo. Essa transmissão é fundamental para garantir a autenticidade do processo iniciático.
  • 3. Distinção entre Exotérico e Esotérico: Guénon traz luz ao assunto ao diferenciar o exotérico (as formas exteriores de uma religião ou prática, como rituais e moralidade) do esotérico (o núcleo interno e oculto do conhecimento, acessível apenas aos iniciados). O mundo iniciático é essencialmente esotérico, pois conduz ao conhecimento direto do transcendente.
  • 4. Simbolismo e Rituais: os símbolos e rituais desempenham um papel central no processo iniciático, funcionando como ferramentas para conectar o indivíduo às realidades superiores. Eles não devem ser vistos como meras formalidades, mas como meios eficazes de transformação.
  • 5. Qualificações do Iniciado: não é qualquer pessoa que pode ser iniciada. René Guénon também enfatiza a necessidade de predisposições inatas, ou seja, certas qualidades espirituais que tornam o indivíduo apto para o caminho iniciático.
  • 6. Realização Espiritual: a iniciação não é apenas um evento, mas um processo contínuo de realização espiritual, onde o iniciado progride em direção a estados de consciência superiores, culminando na identificação com o princípio universal.

Outros autores, como o poeta e escritor italiano Julius Évola, apontam que indivíduos também podem alcançar a iniciação por sua própria disciplina e esforço, sem depender de mestres ou tradições vivas, desde que demonstrem “herança transcendental”, uma predisposição espiritual inata para a iniciação direta e que seu conhecimento e comportamento seja próprio de um iniciado.

É preciso também se atentar para os perigos de falsas iniciações ou práticas esotéricas modernas desvinculadas das tradições autênticas, que, segundo Guénon, podem levar à confusão espiritual e ao materialismo disfarçado de espiritualidade.

Na ópera da Flauta Mágica, de Mozart, a iniciação é representada pela jornada de Tamino que representa o espírito e a intelectualidade desperta de um iniciado.

Os seres com o pensamento direcionado para o mundo iniciático são conhecidos como livre-pensadores.

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É saudável que o iniciado mantenha a conexão entre os dois mundos, só assim é possível despertar novos postulantes e iluminar o mundo com mais conhecimento.

O sombrio e trevoso processo de iniciação

Muito se comenta sobre a iniciação, mas pouco se avisa que o processo é destrutivo e aterrorizador.

Não é fácil buscar a iniciação e caminhar em direção à iluminação, você se confrontar com seus vícios e seu lado escuro como um todo é assustador.

A iniciação como a conhecemos atualmente é oriunda do “Teleutai“, antiga ritualística iniciática das Escolas de Mistério gregas, com raízes egípcias. Basicamente, no Teleutai, deve-se fazer morrer (simbolicamente, claro).

A morte, assim, é considerada a única saída viável para a consciência humana. É como uma porta secreta que dá noutro lugar, além de nossa compreensão. Como a saída corresponde a uma entrada, podemos dizer que iniciar é introduzir.

O lado escuro remete também ao aspecto lunar. O Homem, assim como a Lua não produz iluminação, mas espelha a luz divina da qual é dependente.

Mas tu não podes ver-me
com teus próprios olhos;
dar-te-ei olhos divinos
para que contemples meu poder e minha majestade
.

BHAGAVAD GITA 11.8

A iniciação busca o aprimoramento, mas não há garantias de uma melhora de forma automática, apenas de mudança. Tudo depende do iniciado e de seu papel. A única certeza existente é que o iniciado transpõe a cortina de fogo que separa o profano do sagrado, sofrendo uma transformação, mudando de nível, e este se torna diferente.

Como funcionam os rituais iniciáticos

Receber e absorver conhecimento pode ser desafiador para uma pessoa sozinha. Por isso, as sociedades antigas criaram as Escolas de Mistérios.

O dever dos mistérios iniciáticos

A palavra mistério representa algo velado, oculto, um conhecimento que só pode ser revelado por meio da iniciação.

Nas sociedades antigas, os mistérios foram transmitidos das culturas orientais para os ocidentais, até os gregos e, depois, para os romanos. Nesse processo, os romanos passaram a chamar os os mistérios de initia, e os iniciados, de mystae.

As iniciações, desde os tempos remotos, eram apresentadas sob a forma de dramas ritualísticos. Ou seja, o ensinamento era repassado por meio da teatralização alegórica. Até hoje é assim que funcionam as iniciações.

Os mestres que preparavam as cerimônias sabiam que a execução de determinados atos, o uso de certas palavras e a utilização de diversos objetos, facilitam a compreensão das leis e dos princípios inacessíveis à razão humana.

De certa forma, foi descoberto que as lições representadas desta forma têm impacto mais forte na mente humana que qualquer outra forma de apresentação de conhecimento. O uso do simbolismo é a técnica mais forte e eficaz que existe para a absorção de conhecimento.

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Assim, os Mistérios Iniciáticos devem:

  • Fazer o candidato recorrer à reflexão e instrospeccção;
  • Fazer com que o candidato se inspire a buscar o conhecimento;
  • Exigir do candidato o compromisso de se aprimorar e de nunca trair seus ideais e seu juramento. (Para que outros sintam o mesmo que ele sentiu).

O ritual da iniciação

É sabido, conforme já dito, que todos os rituais iniciáticos comportam processos particulares com respeito à morte. Mas como funciona a ritualística?

A iniciação segue um padrão ritualístico e simbólico que envolve três elementos principais:

  • Separação: O iniciado é simbolicamente desligado de sua vida cotidiana, entrando em um espaço ou estado especial, muitas vezes secreto.
  • Transição: Durante o ritual, o iniciado passa por experiências simbólicas de morte e renascimento, como forma de purificação e transformação espiritual.
  • Incorporação: Após a iniciação, o indivíduo é integrado em uma comunidade ou tradição, frequentemente adquirindo um novo status espiritual.

A ritualística deve variar de tradição para tradição e dentro da mesma tradição ainda pode variar conforme o rito aplicado.

A mensagem, no entanto, permanece a mesma: o candidato pode ser colocado em uma cova, floresta, caverna, poço, sala escura ou qualquer ambiente que simbolize uma morte profana, preparando-o para o renascimento como um novo ser — um iniciado em um novo estado de existência.

Referências bibliográficas

  • Burkert, Walter. Ancient Mystery Cults.
  • Evola, Julius. The Hermetic Tradition: Symbols and Teachings of the Royal Art.
  • Evola, Julius. Revolt Against the Modern World.
  • Eliade, Mircea. Rites and Symbols of Initiation: The Mysteries of Birth and Rebirth.
  • Eliade, Mircea. The Sacred and the Profane: The Nature of Religion.
  • Guénon, René. Perspectives on Initiation.
  • Campbell, Joseph. The Hero with a Thousand Faces.

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