Como surgiu o conceito de Alquimia? Pesquisadores acreditam que ela surgiu em períodos remotos no Oriente. Para saber mais, vamos explorar suas origens.
Período neolítico: como tudo começou
O Neolítico, também chamado de “Idade da Pedra Polida” (10.000 a.C. a 3.000 a.C.), foi uma época de grandes mudanças. As pessoas pararam de ser nômades e começaram a viver em vilas, plantar alimentos e criar animais. Isso levou ao surgimento de comunidades mais organizadas e ao desenvolvimento de técnicas como fazer cerâmicas e trabalhar com metais.
As raízes do que viria ser a alquimia estão nesse período. Trabalhar com materiais como cerâmica e metal, além de usar o fogo para cozinhar e fazer ferramentas, foram os primeiros passos na transformação de substâncias.
Taoismo + Medicina Tradicional Chinesa = Alquimia chinesa

No Oriente, o conhecimento sobre a transformação das substâncias ajudou a criar o que hoje chamamos de Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que começou com Yang Shao por volta de 4.300 a.C. e sua visão sobre o corpo humano.
A MTC se baseia nas leis naturais que governam o funcionamento do corpo e sua relação com o ambiente e os ciclos da natureza. Com essa compreensão, ela trata doenças e ajuda a manter a saúde usando diferentes métodos.
Mas foi o “Imperador Amarelo”, Huangdi, quem deu um toque especial à medicina tradicional chinesa, combinando-a com os princípios do taoismo.
Huangdi, um líder lendário que governou entre 2697 a.C. e 2597 a.C., é considerado o ancestral dos chineses da etnia Han, a maior parte da população da China.
Além de ser associado à criação do taoismo, ele também é lembrado por:
- Criar a astrologia chinesa;
- Criar o antigo calendário chinês;
- Criar o Oráculo de Ossos, as mais antigas inscrições chinesas;
- Criar armas inovadoras, como a funda de arco;
- Produzir importantes tratados políticos e leis;
- Desenvolver a caça e os estudos de agronomia;
- Revolucionar a engenharia naval chinesa;
- Promover uma mudança radical na forma de se vestir das pessoas;
- Inventar instrumentos musicais, como a cítara guqin;
- Criar o compasso chinês.
A mistura dessa figura lendária com a Medicina Tradicional Chinesa resultou no conceito da dualidade.
Confira também: o taoísmo de Lao Tsé
Yin & Yang da Alquimia Chinesa
O conceito de yin-yang está presente em toda a teoria da alquimia chinesa. Ele surgiu da observação de como os cinco elementos chineses — água, fogo, terra, metal e madeira — interagem entre si. Esses elementos podiam se transformar uns nos outros, mostrando um ciclo de equilíbrio que reflete a relação entre yin e yang.
Segundo a filosofia atribuída ao Imperador Amarelo, yin e yang representam a dualidade de tudo no universo. Yin é associado à lua, à calma e à absorção, como o jantar, que traz um momento de introspecção. Yang, por outro lado, está ligado ao sol, à energia e à atividade, como o almoço, cheio de movimento e vitalidade.
Essa dualidade ajuda a entender e tratar tanto problemas internos quanto externos do ser humano. Na medicina tradicional chinesa (MTC), a alquimia foi dividida em dois métodos: waidan (alquimia externa) e neidan (alquimia interna).
Para deixar essa mistura ainda mais rica, outro elemento foi incorporado à tradição: o budismo.
O Guru Nagarjuna e a alquimia do Caminho do Meio

Nagarjuna foi um filósofo budista indiano conhecido por desenvolver a doutrina do vazio (Sunyata) e por sua obra Mūlamadhyamakakārikā. Ele também fundou a escola Madiamaca, ou “Caminho do Meio”, uma tradição importante dentro da filosofia budista Mahāyāna.
Na Índia, começaram a surgir histórias sobre a possibilidade de transformar pedras em ouro, baseadas em interpretações equivocadas de textos taoistas.
Foi então que Nagarjuna trouxe clareza ao assunto. Segundo ele, a verdadeira alquimia não estava na busca material de transformar objetos, mas no desenvolvimento da virtude espiritual, que era o verdadeiro caminho para a transformação.
Segundo os textos védicos, o ouro representa a imortalidade. E é justamente essa a transmutação real: a da individualidade humana.
O guru apontava que deveríamos buscar a imortalidade por meio de nosso legado, por meio das boas ações e da transformação do fracasso em êxito.
O Sol da Sabedoria: Ensinamentos do Nobre Nagarjuna sobre a sabedoria fundamental do caminho do meio
Mas alquimia não era só sobre transformar chumbo em ouro?

Quando esses conceitos chegaram ao Ocidente, o filósofo grego Plutarco usou o termo Khemeioa para descrever o Egito, que, numa tradução adaptada, significa “pedaço de terra preta”.
O prefixo al- é o artigo definido em árabe, equivalente a “o”. Assim, ao adicionar o artigo, o termo passou a significar “o pedaço de terra preta” e foi adotado pelos árabes alexandrinos. Mais tarde, essa palavra chegou à Europa por meio da Espanha árabe como al-kimiya, dando origem ao termo alquimia.
O termo se popularizou pela europa medieval até se transformar em alchimie, em francês antigo.
Era costume dos egípcios, preparar bebidas a base da fermentação de cereais, como a cerveja, uma das bebidas mais antigas que se tem registro.
Além das bebidas, os egípcios também tinham o costume de praticar experiências com infusões de plantas, algo que foi aprimorado pelos árabes e levado para a europa por meio da influência islâmica. Estas infusões foram a base para a cultura farmacêutica, popularizada como alquimia.
Isso envolvia também muito da filosofia oriental e conhecimentos naturais. Por isso ela é considerada uma arte hermética vinda do oriente.
Solve et Coagula

Podemos pegar conceitos metafísicos do budismo e adaptá-los para uma linguagem alquímica, exemplo: kalpa e pralaya = coagulação e solução.
O alquimista é um criador por natureza, mas não um criador da natureza. Tudo já existe, as coisas só precisam ser desveladas. Ou seja, a alquimia serve para acelerar o processo de aprendizado e transformação.
A alquimia pode ser vista como uma extensão e aceleração dos processos naturais. É como se a natureza cozinhasse lentamente, em fogo baixo, enquanto o alquimista aumentasse a temperatura para acelerar o processo. Como dizia Lavoisier: “Nada se cria, tudo se transforma.”
Na Grande Obra ocidental, os elementos principais são enxofre e mercúrio, fogo e água, atividade e passividade, além das influências celestes e terrestres. O equilíbrio entre esses elementos dá origem ao sal, símbolo da harmonia alquímica.
Na alquimia taoista, os elementos são ki e tsing (sopro e essência), fogo e água, e kien e kuan (atividade e passividade, Céu e Terra).
Apesar das diferenças culturais e do “telefone-sem-fio” geracional e geográfico, a base da alquimia permanece praticamente a mesma.
Tanto no Oriente quanto no Ocidente, a alquimia oferece um caminho para a evolução humana, transformando o homem do estado material ao espiritual. Assim como transformar elementos em ouro, a alquimia busca elevar o ser humano a um estado de pureza espiritual.
Uma visão cristã sobre a alquimia
Do ponto de vista cristão, podemos transformar o ciúme em esperança, a inveja em caridade, o orgulho em fé, o ódio em pureza, a gula em justiça e a cobiça em prudência, por exemplo.
Como curiosidade, o processo de recomendações da Igreja Católica Apostólica de Roma compilado e organizado pelo Papa Gregório no século VI incluem os 7 piores pecados que o cristão pode cometer: vanitas, avaritia, luxuria, invidia, gula, ira e acedia.
Ou seja, o processo de transformar os pecados capitais em virtudes humanas não é nada mais nada menos que uma transmutação alquímica:
Vaidade em Humildade
Avareza em Generosidade
Luxúria em Integridade
Inveja em Caridade
Gula em Moderação
Ira em Resiliência
Preguiça em Plenitude.
Com o encontro entre as filosofias oriental e ocidental, a alquimia foi reinterpretada na Europa. A cultura materialista da época transformou-a em uma ciência voltada para a transmutação de minerais, especialmente metais.
Embora esse foco tenha distanciado a alquimia de seu caráter simbólico original, seu conhecimento filosófico permaneceu preservado em círculos iniciáticos.
Tratado da Pedra Filosofal e a Arte da Alquimia, por Santo Tomas De Aquino
Alquimia é pseudociência?

Essa crítica é comum, mas está equivocada. A alquimia nunca quis ser uma ciência. Geralmente, quem faz esse tipo de comentário tem pouco conhecimento sobre filosofia, psicologia ou até mesmo química, que nasceu da alquimia.
Por que filosofia?
O desenvolvimento da alquimia envolveu a mistura de diferentes culturas e ideias. Um exemplo disso é a associação de símbolos com os astros, que também eram ligados a elementos e divindades.
Assim, a alquimia combina o estudo da metalurgia com a metafísica, explorando os processos naturais que ocorrem nos seres vivos. Ela é, no fundo, uma ciência profunda da vida, escondida sob símbolos enigmáticos.
Do ponto de vista filosófico, a alquimia é a busca por entender a natureza, alcançar sabedoria e conhecimento sobre o mundo natural. O alquimista é como um viajante atento, percorrendo a estrada da vida com os olhos bem abertos.
Por que psicologia?
A alquimia é o estudo da transformação, com o objetivo de mudar algo de forma profunda. Na alquimia interior, o foco está na psique humana, especialmente nos primeiros estágios do desenvolvimento pessoal.
Por isso, o trabalho de iniciação alquímica acontece, muitas vezes, em locais escuros, como cavernas. Esses lugares representam uma jornada ao interior da Terra, uma viagem ao mundo dos mortos ou uma descida aos “infernos” do nosso psiquismo desconhecido. Essa fase é fundamental para que, mais tarde, aconteça uma ascensão, simbolizando renascimento e a busca pela verdadeira liberdade.
Essa transformação é uma metáfora para o renascimento espiritual, como acontece em rituais de batismo e iniciação.
Carl Jung, um grande estudioso da alquimia, usou sua simbologia e as tradições das escolas iniciáticas, especialmente do gnosticismo, para criar a psicologia analítica. Ele destacou a importância da psique, do inconsciente, dos arquétipos e do processo de individuação.
Por que química?
A alquimia fundou, com os estudos sobre os metais, as bases da química moderna. Diversas novas substâncias foram descobertas pelos alquimistas, como o arsênico.
Eles também deixaram como legado alguns procedimentos que usamos até hoje, como o famoso banho-maria, devido à alquimista Maria, a judia, considerada uma das pessoas mais proeminentes da Alquimia no Egito (273 a.C.); a ela atribui-se também a descoberta do ácido clorídrico.
Outro legado alquimista foi a pólvora, descoberta por acidente no século IX por alquimistas chineses que procuravam o elixir da longa vida. O livro “O Parentesco dos Três”, de Wei Boyang, escrito no século II d.C., já explicava como fazer pólvora. Outros textos alquímicos também falam sobre a pólvora e alertam para os riscos de misturar certos materiais.
Tratar a alquimia como pseudociência, na minha visão, é, além de algo intelectualmente desonesto, cometer a falácia do anacronismo aplicando um conceito moderno a algo pré-moderno.
Espero que este artigo tenha explicado um pouco sobre o que é a alquimia, suas origens conhecidas e sua influência no mundo moderno.
Referências bibliográficas
- Ge Hong. Baopuzi: The Master Who Embraces Simplicity.
- Zhang Boduan. The Secret of the Golden Flower.
- Hermes Trismegistus. The Emerald Tablet.
- Roger Bacon. The Mirror of Alchemy.
- Jabir Ibn Hayyan. The Book of Balances.
- Chang, Tsung-tung. Alchemy in Chinese Taoist Culture: A Historical Survey.
- Needham, Joseph. Science and Civilisation in China, Volume 5: Chemistry and Chemical Technology
- Pregadio, Fabrizio. Great Clarity: Daoism and Alchemy in Early Medieval China.
- Ray, Priyadaranjan. History of Chemistry in Ancient and Medieval India.
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