Vamos conversar sobre um tema popular e muitas vezes mal compreendido: chakras e seus significados.
Embora o assunto desperte curiosidade, muitas informações que circulam por aí acabam sendo mitos, distorções ou invencionices. Isso acontece, muitas vezes, pela falta de estudo ou pela repetição de ideias equivocadas.
Nenhuma “energia” vai entrar nos seus chakras, por mais que você tente. Com isso em mente, vamos explorar de forma clara o que os chakras realmente são — e o que eles definitivamente não são.
Qual o significado de chakras (ou cakras)

A palavra chakra (cakra) vem do sânscrito e significa “roda”, mas é mais fácil de compreender o conceito pelo termo do grego antigo kýklos (ciclo). Assim, os chakras simbolizam os ciclos que enfrentamos conforme o domínio que temos de nossas faculdades.
Ao girar uma determinada “roda”, passamos de um ciclo inferior para um ciclo superior, num processo evolutivo e constante. Quando não dominamos e somos dominados por nossas faculdades, ocorre o oposto, o processo de descensão e queda.
Os registros mais antigos e confiáveis sobre os chakras vêm das tradições hindus, especialmente do Tantra, do Samkhya e do Yoga. Essas doutrinas ensinam que os seres humanos são divididos em diferentes shariras (sharira, em sânscrito, significa corpo).
De acordo com a Sharira Traya (ou Doutrina dos Três Corpos), todos os seres são formados por três corpos, como o próprio nome sugere:
- Sthula sharira: corpo denso
- Sukshma sharira: corpo sutil
- Karana sharira: corpo causal
Estes corpos funcionam como vias para a manifestação da essência divina, a alma individual, o “Eu” (atman).
No Vedanta, o atman é considerado eterno, imutável e idêntico ao princípio supremo do universo, o Brahman. Esses corpos são vistos como camadas que envolvem e permitem a experiência da realidade material e espiritual, sendo o físico ligado às ações, o sutil às emoções e pensamentos, e o causal às tendências mais profundas e ao karma.
Existe uma forma simples de entender tudo isso, pense numa fruta como a melancia:
- a casca é o corpo denso, camada mais próxima à matéria e serve para proteção;
- a polpa é o corpo sutil, está além da casca e serve para nutrir e alimentar;
- a semente é o corpo causal, que garante a semeadura, a continuidade da vida e seus ciclos.
Somos como a melancia: temos três camadas que representam diferentes aspectos do nosso ser.
A casca simboliza o corpo físico, feito de carne e ossos, aquilo que é visível e tangível. A polpa representa nossa mente individual, abrangendo pensamentos, emoções, sensações e conhecimentos. Já a semente é o subconsciente, onde carregamos os efeitos de nossas ações e experiências, uma bagagem invisível que influencia quem somos.
O que são chakras e para que servem
Não temos acesso direto ao corpo causal, mas conseguimos perceber conscientemente dois corpos: o corpo denso e o corpo sutil. Destes, apenas o corpo denso é tangível. Então, como podemos representar visualmente o corpo sutil?
É para isso que servem os chakras, eles são formas de alinhar em uma só imagem o corpo sutil ao corpo denso por meio de uma sobreposição.
Ou seja, um chakra é um centro de conexão do corpo sutil com o atmã.
O que chakras não são

Tradicionalmente, os chakras não devem ser reinterpretados em terapias ocidentais contemporâneas, como cromoterapia, musicoterapia, alinhamento de chakras, energização de chakras e outras terapias mercantilistas. Embora os terapeutas busquem promover bem-estar, muitas dessas interpretações são simplificações ou desvios do conceito original hinduísta.
A descontextualização pode distorcer a compreensão original dos chakras, que eram parte de um sistema filosófico mais amplo. Os chakras não estão em nenhuma parte física do corpo, nem na coluna. Eles são símbolos que representam conceitos intangíveis ligados ao nosso corpo e mente.
Por isso, a localização dos chakras muda de acordo com cada doutrina. É uma questão de interpretação e de como cada sistema organiza esses conceitos.
Por exemplo, a palavra Yoga, em sânscrito, significa ‘união’. Essa união representa, de forma simbólica, a conexão entre os diferentes corpos em um único eixo. Além disso, no contexto dessa doutrina, também se refere à união do jiva (o ser individual) com o atman (o eu superior ou essência).
O significados dos chakras e a Kundalini

A elevação da força individual (jiva) é simbolizada pela energia da Shakti, considerada a energia cósmica primordial que representa as forças dinâmicas do universo. Esse processo é frequentemente representado pela Kundalini.
A ascensão da Kundalini representa a ideia que a força do ser supera as etapas de conexão do corpo sutil com o atmã até atingir o último chakra, o chakra coronário, simbolizando o domínio do indivíduo sobre seus corpos (denso e sutil).
Ou seja, a Kundalini não é algo físico ou material. Ela simboliza a transformação interna necessária para que uma pessoa eleve sua consciência e alcance um estado superior de realização espiritual.
Isso diz mais respeito sobre a superação humana diante das dificuldades do dia a dia e o domínio das manifestações não-físicas como os pensamentos e emoções, por exemplo, do que alguém sentado meditando e “energizando chakras” como se fosse um dos X-Men.
De acordo com a tradição hindu, é importante cuidar de nossos dois corpos, tanto do sutil quanto do denso, é por meio desse equilíbrio que a saúde humana é preservada. Quando damos mais atenção para um que para o outro, o desequilíbrio é inevitável.
Agora que você já compreendeu os significados dos chakras, sabe que eles estão ligados ao cuidado com a saúde física, mental e emocional, ao autoconhecimento e à elevação pessoal. Chegou a hora de explorarmos cada um dos chakras em detalhes. Vamos começar!
Quais os 7 chakras principais?
De acordo com a tradição do Yoga, existem 7 Flores de Lótus (chakras), seis principais e um sétimo chakra que sobrepuja o indivíduo.
Posteriormente, por meio da obra tântrica Kaulajñānanirnāya (Discussão do Conhecimento da Tradição Kaula), escrita por Matsyendra, são mencionados 8 chakras, um modelo que também ficou muito popular no ocidente. Mas seguirei a tradição e focar nos significados dos 7 chakras clássicos, confira:
Muladhara chakra

É o chakra ligado ao controle das necessidades básicas do ser humano, como a alimentação como forma de sobrevivência e excreção. É o materialismo puro, mais básico e ligado à terra.
É representado basicamente por quatro pétalas vermelhas e costuma ser apresentado na região do ânus. O termo muladhara quer dizer o suporte da raiz.
Quando superamos as nossas necessidades mais básicas, o conhecido “instinto primitivo”, ascendemos para o próximo chakra.
Svadhisthana chakra

Esse lótus é o “chakra de si mesmo”, geralmente apontado na região genital e está diretamente ligado aos instintos sexuais e ao elemento água.
É representado por seis pétalas vermelhas e se antes abordávamos as necessidades fisiológicas, agora falamos do controle sobre a necessidades de reprodução e dos desejos sexuais.
É um dos significados de chakras mais compreensíveis, sendo relacionado com o destempero da carne.
Quando superamos os impulsos e desejos sexuais, somos livres para ascender ao próximo chakra.
Manipura chakra

Conhecido como “a cidade das jóias”, tende a ficar na região do umbigo e é ligado ao elemento fogo.
Conta com dez pétalas azuis e é relacionado com o controle de nossas preferências.
É nesse lótus que as discriminações se esvaem. É saber pôr as coisas na balança e optar por bons hábitos. É preferir o justo ao fácil.
Numa linguagem mais simples, é a preferência do agradável contra o desagradável, é o progresso do “Eu” contra as coisas desagradáveis e prejudiciais.
Quando controlamos os nossos desejos sobre o requinte, a vaidade e, de forma geral, as nossas preferências sobre os outros, ascendemos ao próximo chakra.
Anahata chakra

O chakra do “som não tocado” é simbolicamente o chakra do coração, o som que vem do interior. Para os cristãos, é o simbólico “Coração de Jesus”.
Ligado ao elemento ar e com doze pétalas vermelho-escuro, é o princípio que controla as emoções superiores. É aqui onde se encontram os pensamentos sublimes e relacionados com o amor, a compaixão, a religiosidade e o eu superior.
Quando superamos a devoção, a emoção cega, a superstição e tudo aquilo que desconecta o coração da sabedoria, ascendemos ao próximo chakra.
Vishuddha chakra

O lótus da “pureza” é geralmente apontado na região da garganta. É prateado e conta com dezesseis pétalas de cor púrpura acinzentado.
Representa o dom da comunicação sutil, da eloqüência, da oratória, do conhecimento repassado de forma simbólica.
Como nem tudo pode ser ensinado através de palavras, o vishuddha representa a complexidade por meio da simplicidade verbal.
Representa o éter, a quintessência aristotélica (Akasha). É o chakra das entrelinhas, captou?
Quando conseguimos extrair mais informações além daquilo que é dito, ascendemos ao próximo chakra.
Ajna chakra

Dentre os significados dos chakras, temos um dos mais emblemáticos e conhecidos do público.
O lótus do “comando” também se associa com o elemento éter. Ele é geralmente apresentado no meio da testa e relacionado com a hipófise. Caso ainda não tenha se dado conta, é o famoso terceiro olho!
É uma flor de lótus cinza de duas pétalas e limita até onde o ser humano é capaz de transcender enquanto um ser vivo.
Assim, é a fronteira da individualidade, até onde conseguimos levar nossos pensamentos enquanto somos conscientes das limitações humanas.
Quando desvencilhamos de nossos pensamentos como uma verdade e desvelamos a pura verdade de forma contemplativa, ascendemos ao próximo chakra.
Sahasrara chakra

O lótus “de mil pétalas”, mais conhecido como chakra coronário, é inacessível ao indivíduo e apresentado como um lótus branco flutuando num oceano de leite.
É simbolizado pela auréola mística, um anel (roda) luminoso circundando a cabeça de mestres iluminados, como referência à iluminação simbolizada pela coroa do Rei (Sol).
É aqui onde ocorre o Yoga, a fusão entre o jiva e o atmã. Somente quem superou todo o processo da Kundalini e atingiu este estágio pode ser reconhecido como um yogi, aquele que possui o desenvolvimento das possibilidades mais elevadas do ser, ou seja, aquele que realizou o Yoga e se reuniu ao cósmico.
Um yogi, em termos ocidentais, é alguém que subiu aos céus.
Em resumo, não existe nada fantasioso ou “mágico” nos chakras, este conhecimento envolve conceitos que podemos usar para lapidar a nossa obra, o nosso ser e religarmos a nossa individualidade à uma essência superior que, conforme as tradições, foi rompida em algum momento.
É importante esclarecer que alguém com um certificado ou regulamentação profissional emitido por ‘órgãos reconhecidos de Yoga’ não se torna automaticamente um yogi. Por mais que seja um simpatizante ou praticante, essa pessoa é, na verdade, um professor que ensina exercícios físicos e mentais, como alongamentos e técnicas de respiração. Esses elementos, apesar de úteis, não representam o Yoga em sua essência tradicional.
Isso não é uma crítica aos praticantes ou professores – cada um é livre para seguir e ensinar aquilo que faz sentido para si. Apenas é essencial distinguir a prática tradicional de Yoga, que envolve um profundo caminho espiritual e filosófico, das adaptações mercantilistas.
Espero que este artigo tenha oferecido uma boa introdução aos significados dos chakras, mesmo sabendo que este é um tema complexo demais para ser explorado completamente em um único texto. Mais do que isso, espero ter transmitido a importância desse tema e chamado atenção para o respeito que devemos ter com outras tradições, algo muitas vezes ignorado em nossa sociedade de consumo.
Referências bibliográficas
- Deussen, Paul. The Philosophy of the Upanishads.
- Mukhopadhyaya, Satkati. Kaulajñānanirnāya: The Esoteric Teachings of Matsyendrapada Sadguru of the Yogini Kaula School of Tantric Tradition.
- Guénon, René. Man and His Becoming According to the Vedanta.
- Guénon, René. Studies in Hinduism.
- Muniz. André. Canal Transcendência: Chakras, Cakras.
- Dasgupta. A History of Indian Philosophy. Cambridge University Press.
- Eliade, Mircea. Yoga: Immortality and Freedom.
Conteúdos relacionados:
- Museus: os templos das musas gregas - 31/01/2025
- Por que a Acácia é um símbolo da Maçonaria? - 16/01/2025
- O que a Maçonaria tem a ver com a ida do Homem à Lua? Tudo! - 15/01/2025